sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Débaclé Cultural na Geração Digital




DÉBACLÉ CULTURAL NA GERAÇÃO DIGITAL


Impressionante a qualidade e a sofisticação das composições dos artistas "subversivos" à época da ditadura militar ao compará-las com a produção atual: Taiguara, Geraldo Vandré, Chico Buarque, Vítor Martins, Aldir Blanc, Ivan Lins. Era uma juventude de uma época em que se valorizavam as leituras,  as artes, a erudição, o repertório cultural. A cultura de massas e a indústria cultural ainda não haviam feito do cenário da vida, uma terra arrasada.


Nesses atuais tempos sombrios, o que a juventude de classe média tem produzido em termos de letras e composição musical? Nessa geração digital, que mais do que nunca pode acessar facilmente os produtos culturais, que seres da cultura têm sido forjados?


Não há apenas precarização da cultura, há um desprezo pela cultura e um excesso de valorização da autoimagem e do aqui e agora, o que, a meu ver, é uma técnica para o esvaziamento do pensamento crítico.


Um círculo narcísico no qual se gastam mais horas postando fotos no Instagram do que se lendo um bom livro, ou se escutando, atentamente, a uma boa música.


Arrisco afirmar que esse fenômeno integra um projeto de elisão cultural e bloqueio da transmissão dessas heranças para as novas gerações a fim de fomentar o conformismo e levar à agudização do consumo de bens supérfluos. Uma técnica ideológica que visa à exacerbação narcísica na cultura das "selfs" e o apagamento do outro. Afinal, o interesse pela cultura é o interesse pelo que uma outra pessoa, que não nós mesmos, pensou, vivenciou e fez...


Muitos dos meus alunos do curso de Direito não conhecem nem nunca ouviram falar de máximas referências da cultura popular brasileira tais como Ivan Lins.  São vitimizados por um sistema que "escolhe" os bens culturais cujas transmissões são permitidas. E replicam a voz desse sistema, acreditando que essa é a voz deles próprios, ao renegarem as heranças culturais, ao se recusarem a ser sujeitos históricos, o que leva a uma pauperização de suas subjetividades.


Ontem, eu perguntei aos alunos de uma das minhas turmas se eles conheciam Taiguara. Enquanto alguns ficam curiosos e querem saber mais, outros dizem "Não é do meu tempo". Então eu os pergunto se eles conhecem Jesus Cristo.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Queda das redes sociais.


 Queda das redes sociais... A despeito da falta do contato com os amigos, confesso que tive um sentimento de muita liberdade. Como se estivesse alforriada a entregar-me inteira ao meu tempo e lugar, ao aqui e agora. Devolvida ao instante.


As redes sociais são, também, grilhões virtuais, coleiras amestradas. Um apelo à confissão. Se até o século XIX, o lugar da confissão era nos recônditos indevassáveis das Igrejas, aos ouvidos dos padres, e depois disso,  no inviolável divã do analista, as redes sociais são um confessionário distópico, porque confessa-se sozinho,  mas a confissão é pública, por todos escutada e analisada. E mais: Sem direito a perdão e nem promessa de cura.


Além de um confessionário, é um mecanismo  inquisitorial. A cultura do cancelamento é um sintoma desse Tribunal da Inquisição pós-moderno. Não há contraditório, apenas a prolatação de sentença "inaudita altera pars".


E um forte mecanismo de controle:


Controle de corpos, controle de mentes, controle de vidas. 


Mas, sem sermos peixes já caímos inarredavelmente nas redes. E podemos fazer bom uso delas, ao evitarmos sermos usados por elas. Escapando de sermos, desavisadamente, capturados pelas Redes da Confissão e pelas Redes da Inquisição. E porque não dizer, pelas Redes de Intrigas e das Mentiras. Quanto a essas últimas, um blackout permanente do WhatsApp e outras redes cibernéticas dispensaria qualquer passeata pró-impeachment. O atual mandatário da Nação cairia direto ao rés do chão sem "redes" de proteção.


Portanto, ao estarmos pelas redes "enredados", que caiamos  tão somente nas Redes da Partilha para nelas, sem descolamento da realidade, nos balançarmos com os amigos.

domingo, 19 de setembro de 2021


 
POR QUE A BÍBLIA, EM MEIO A TANTOS OUTROS TEXTOS ANTIGOS SEMELHANTES, FOI AQUELE QUE SE TORNOU UM TEXTO FUNDACIONAL DE NOSSA CIVILIZAÇÃO?

 Há alguns Domingos trouxe aqui o debate sobre os documentos bíblicos como registros integrantes de uma tradição literária do Oriente Próximo entre os anos 1000 antes de nossa Era e 200 da nossa Era. Apenas para refrescar-lhes as memórias citei que narrativas no livro do Gênesis tais como o Jardim do Éden, o Grande Dilúvio e a Arca de Noé, nada mais eram do que uma versão dos populares épicos sumérios Enuma Elish e Gilgamesh.

 Isto posto uma pergunta se impôs:

Por que não foram os demais textos de civilizações mais avançadas, mas sim essa miscelânea construída por um povo "insignificante" em comparação às grandes civilizações antigas,  um povo  que não ergueu pirâmides nem jardins suspensos, que não apenas fundou a nossa cultura tal como ela o é, hoje, como são a fonte das principais religiões que ainda hoje se espalham sobre o nosso planeta, do ocidente ao oriente: judaísmo, cristianismo e islamismo? 

Arrisco uma resposta provisória dividida em dois aspectos das narrativas bíblicas que corroboram para o fenômeno, adiantando que nenhuma delas diz respeito ao monoteísmo "tout court", o que seria uma resposta fácil a meu ver. Nesse post trato tão somente de um primeiro aspecto que diz, sobretudo, respeito à história do pensamento e do mundo das ideias. Vocês me acompanham?

1. Nas narrativas congêneres à Bíblia, não havia o monoteísmo, mas não só. Os deuses do politeísmo identificavam-se com as forças da Natureza. O Sol era um deus, a Lua, uma deusa, a Floresta outro deus e assim seguiam-se as deidades. Os seres humanos ocupavam uma posição de grande inferioridade e subalternização em relação tanto aos deuses quanto às forças da Natureza. O épico da Barca de Noé bem expressa essa lógica e hierarquização: Os seres humanos e as suas sobrevivências submetidas aos humores dos deuses e às intempéries naturais, in casu, a um Dilúvio. 

 Nos textos bíblicos, apesar de se tratarem das mesmas histórias, as suas versões são  revolucionárias e não apenas porque de vários deuses passou-se a narrar a existência de um só. Mas, especialmente, porque esse único Deus emancipa-se das forças da Natureza, não mais se identificando com as mesmas, mas tomando-as sob o seu poder. No entanto, há um elemento, antes considerado inferior em meio ao mundo fenomenológico, que é alçado ao centro de toda a Criação e para o qual toda a natureza existe tão somente para  servi-lo. Esse elemento, que é natural, mas passa a ocupar um locus privilegiado em relação aos demais elementos naturais, sendo, inclusive, encarregado em nomear tudo o mais que existe sobre a Terra, nada mais é do que o antes precário ser humano que pelos textos bíblicos se não é o próprio Deus, foi por ele criado à Sua Imagem e Semelhança.

O giro na história do pensamento humano a partir dessa nova concepção é radical, uma vez que o lugar do humano em meio a tudo o mais que existe passa a ser central, determinante e subalternizador desse tudo o mais. A partir dessas reflexões  podemos inferir que mesmo o teocentrismo dentro das novas concepções inauguradas pelos textos bíblicos, não deixa de ser impregnado de antropocentrismo, já que o Deus que a tudo conhece, a tudo ordena, a tudo submete e a tudo cria tem o ser humano como um seu semelhante. E foi encarnado em um ser tão humano quanto  nós, que Deus esteve entre nós.

É nessa ideia da supremacia e da prevalência do ser humano sobre todas as criaturas que está baseada a cultura e o pensamento do qual somos herdeiros e no qual continuamos enredados. Foi essa crença que se apresentou não apenas mais potente do que as demais do mundo antigo como possibilitou as formas políticas e sociais de organização não apenas do mundo ocidental quanto do Oriente Próximo. Um mundo centrado e em torno do sujeito humano.  Um tempo-destino que deixa de ser caótico e imprevisível, fora do controle até mesmo dos deuses, e passa a ser absolutamente pré-determinado. Essa hipótese, se validada, coloca o cristianismo não mais como uma ruptura com o humanismo greco-romano, mas como uma sua continuação em termos que potencializa mais que nunca o poder do humano à imagem e semelhança de Deus, ainda que tenha fomentado sociedades fortemente hierarquizadas, já que figuras de autoridade e poder como o Rei ou o Papa são escolhidos diretamente por Deus o que torna as suas instituições correspondentes e os seus poderes inquestionáveis.

Podemos aquilatar a adequação do pensamento judaico-cristão à tradição clássica, na medida em que  o pensamento judaico-cristão jamais apagou o fato de continuarmos a sermis greco-romanos, ao contrário, foi bastante alimentado pelo Platonismo.

De toda essa herança do pensamento judaico-cristão, exsurge um grande desafio: A natureza que foi a nós submetida e que teve como propósito de sua existência nos servir, hoje clama por sua sobrevivência e reconsideração. As igrejas cristãs progressistas têm proposto uma concepção de humanidade que abranja de modo igualitário, sem hierarquizações, os seres humanos e todos os demais entes naturais.

Será mera coincidência que os fundamentalismos cristãos, que fazem uma interpretação rigorosa dos textos bíblicos, não estejam levando o meio ambiente em sua merecida consideração em um ideário de exploração da natureza destituída de limites? Nos fundamentalismos cristãos não residiria, no que tange a uma ideia de absoluta subserviência da natureza em face ao Homem,  uma espécie de "Complexo de Adão"?

Que a promessa de potência, centralidade e absolutismo humano no projeto divino criacionista bíblico que contribuiu para nos fundar como civilização até os nossos dias, não seja a mesma que  nos afunde em meio a nossa arrogância adâmica, sem direito à Barca em um Dilúvio Eterno.




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quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Desejo Masculino

 EM ALGUM LUGAR DO PASSADO OU O LUGAR DO IMPOSSÍVEL NO DESEJO MASCULINO




A nossa cultura e as suas ideologizações insistem, de forma equivocada, a atrelar o desejo feminino ao amor idealizado dos contos de fadas, e a ancorar o desejo masculino ao real da carne e da racionalidade. Mas, o mundo da vida aponta para a direção contrária: mesmo atravessadas pelas fantasias do príncipe salvático e da história de amor com final feliz, após, principalmente, o casamento, as mulheres "caem" no real do amor, enquanto os homens, esses sim, tendem a passar toda a vida devaneando em idealizações amorosas e fantasias eróticas sem limites, ambas alimentadas pelos apelos mágicos do impossível.


São muitos os fatores que conduzem a essa dinâmica, em maior e menor grau de acordo com a história erótico-afetiva de cada um, mas, o fato é que os homens estão mais capturados pelos mitos dos contos de fadas do que possa sonhar a vã filosofia.


As mulheres são retiradas do mundo do reino das fantasias em virtude de seu próprio corpo que todo mês sangra, atracando-as no real da terra. Muitas, depois engravidam, dão à luz e nutrem a carne de sua carne com a sua própria carne. Mesmo as que nunca engravidaram, não se livraram de estarem presas ao real do corpo que para uma eventual gravidez se prepara, a cada mês. Já os homens, não. Ao contrário do que se pensa, já que seriam mais ligados ao "físico" do amor, têm bem menos, o seu desejo atravessado pelo  real  da carne nua e crua e suas contingências.  Somando-se aos aspectos biológicos, os complexos freudianos não devem ser menosprezados,  carregados que são pelas tintas do primeiro amor, esse, em nossa cultura, de impossível realização: a paixão pela mãe.


 O menino, então, desde a sua mais tenra idade, não apenas idealiza a sua princesa como, sobretudo, idealiza a si mesmo como um intrépido e ousado herói.  Um capa e espada disposto às mais atribuladas façanhas, a lutar contra os dragões mais ferozes a fim de alcançar a sua amada impossível que o espera indefesa no alto da torre de um palácio circundado por bestas-feras. 


Se esse conto de fadas  tende a ter menor apelo para as mulheres, uma vez atingida a idade adulta, ou depois de serem atravessadas pelo real da gravidez e do primeiro filho, para os homens esse mundo da fantasia, em alguma medida, é para sempre. Não é por mero machismo que lhes atraem os desafios da "conquista".  É que as dificuldades à ela inerentes são o gatilho para que eles possam encarnar as suas fantasias na pele da realidade, vestirem as suas capas de heróis, de destemidos e intrépidos conquistadores dos sete mares. Nessa aventura, mais do que a idealização da dama de difícil acesso, está a idealização do herói de si mesmo.  


E esses desafios  a serem vencidos pelo nosso herói romântico que têm o alto de uma torre a ser escalada como metáfora, traduzem-se em barreiras sociais,  barreiras territoriais, barreiras religiosas, barreiras étnicas, barreiras familiares, barreiras de estado civil (seja o dele seja o da princesa) e pasmem! Barreiras do tempo. Não à toa, o conceito de "barra" é tão caro à teoria do desejo em Lacan...


Certa feita, era eu ainda estudante de direito e passeava pelo Alto da Sé em Olinda, pus-me a conversar em atenta escuta com um rapaz que estava às voltas com os seus  desejos de amor impossível. Foi, quando então ele quis apresentar-me à sua amada. Mostrou-me a sua foto: ela estava morta. Mas, não estava morta há alguns meses ou até mesmo há alguns anos: Ela estava morta desde o século XIX! Antes de achar que o rapaz fosse louco ou perturbado, apenas tive a certeza de que a alma humana é como o universo: em contínua expansão ilimitada. Quase chorei a saudade da morta junto a ele.


O desvario do rapaz, segundo a minha hipótese,  nada mais é do que o ponto paroxístico, o ponto mais alto do desejo masculino em suas fantasias heróicas do amor impossível. E como os homens são escópicos, têm o desejo fortemente movido pelo olhar, a possibilidade de deparar-se com a fotografia de uma dama de outros tempos e por ela se apaixonar perdidamente não é conto de fadas: É uma "ameaça" constante. 


Uma dessas ameaças foi concretizada e  acabou por ter suas angústias resolvidas na escrita de um livro, cuja narrativa foi levada às telas dos cinemas. Passo a contar-lhes esse caso de amor verdadeiro. Um escritor americano de ficção, logo, um devaneador por excelência, de nome Richard Matheson, certa feita,  deparou-se com uma foto da belíssima atriz, também americana,  Maude Adams e, de imediato, foi tomado por uma paixão arrebatadora. Tudo seria mais um delicioso capítulo de amor apaixonado, se Maude não tivesse nascido em 1872  e falecido em 1953. 


Urgindo desvencilhar-se de sua angústia amorosa, ainda mais nutrida pelo fato de a fulgurante atriz nunca haver se casado, logo, uma evidência irrefutável de que passara a vida esperando-o, e debatendo-se com a impossibilidade desse amor que, a despeito de estimulá-lo era incontornável, o escritor escreveu um romance de seu romance amoroso. Nele, o personagem masculino de seu mesmo nome, Richard, ao deparar-se com a foto de uma bela e outrora famosa atriz em seu tempo e por ela apaixonar-se, toma por obstinada aventura, empreender uma viagem no tempo de modo a ir ao seu encontro e realizar esse amor.  Essa empresa passa a  ser a única razão de sua vida, perdendo o sentido, todo o resto. O livro foi publicado com o título "Somewhere in Time" e transposta a sua fábula para as telas dos cinemas. Tendo sido a sua narrativa baseada em um sentimento real do autor, o sucesso do projeto foi garantido e atemporal.


Sucesso garantido e atemporal, sobretudo entre os homens, que se identificam com o herói romântico e com os seus impossíveis. Homens cujos desejos para sempre sonham acordados em ouvirem sussurrar, de suas camadas mais profundas, a bela de seus passados. Que a despeito dos dragões a serem vencidos, do alto de uma convidativa torre, maviosamente lhes dão a irresistível ordem, para eles, indemissível: "Come back to me"...

terça-feira, 7 de setembro de 2021

 QUE TAL ESCREVERMOS A NOSSA HISTÓRIA COMO ELA FOI, NO GÊNERO FEMININO, E PROCLAMARMOS A FALÊNCIA DO MODELO MASCULINO MONTADO EM   CAVALOS E CONGÊNERES E EMPUNHANDO ARMAS?





7 de SETEMBRO: Dia de celebrarmos Dona LEOPOLDINA!


Dona Leopoldina era, antes de tudo, uma acreditada diplomática dos Habsburgos. A sua missão era a expansão do poder de sua família para baixo da linha do Equador. A crise política pela qual passava o Brasil poderia levar à retalhação de seu território com a formação de várias Repúblicas independentes, como ocorria com o restante da América Latina, o que não atendia aos interesses do Império Austríaco. Por sua vez, Leopoldina uma poliglota que rapidamente aprendeu a falar e escrever o português, sentia-se irmanada com a causa e o povo brasileiro.


 Leopoldina foi talhada e esmeradamente educada para suas missões políticas de Embaixadora. Por isso agiu adequadamente e rápido, reunindo o Conselho de Estado e decretando a separação do Brasil de Portugal no dia 02 de setembro de 1822, tudo de acordo  com a sua genuína simpatia com a causa brasileira e os interesses que representava. 


Já Dom Pedro... Diante dos atos assinados por Leopoldina não teve escolha senão a de, espada em punho, proclamar a independência...

domingo, 5 de setembro de 2021

BÍBLIA, LITERATURA, VOCÊ, EU E OS NÓS DO MUNDO

 BÍBLIA, LITERATURA, VOCÊ, EU E OS NÓS DO MUNDO



São fascinantes e intensos os estudos dos textos bíblicos que os situam em uma tradição literária do Oriente Próximo bem anterior à escrita dos 24 documentos  que constituem a Bíblia Hebraica a qual denominamos de Antigo Testamento. Esses estudos se iniciaram em meados do século XIX a partir de descobertas arqueológicas que trouxeram à luz do sol, obras épicas, poemas e leis que são fontes primaciais para os mitos, prescrições e histórias bíblicas que foram escritas no decorrer dos séculos da era antiga, especialmente entre os anos 1000 a 160 antes de nossa Era (a.C) por diversos autores das mais variadas regiões ocupadas pelas tribos israelitas. 


O povo israelita, um pequeno povo que não erguera uma grande civilização como aquelas dos egípcios e dos mesopotâmios, junto aos sumérios, acadeus, babilônios, hititas e fenícios, compartilhavam de bens culturais e tradições semelhantes, dentre essas, a tradição literária. Ao cotejarem-se esses textos redivivos graças aos esforços arqueológicos, com os textos bíblicos, restou incontroverso que esses eram águas que escorriam daquelas fontes remotas e não que eram oásis de geração espontânea em meio a um deserto cultural. 


Poderíamos citar alguns exemplos. A cosmogonia constante do livro do Gênesis de 1 a 11, é uma atualização do Épico babilônico conhecido como Enuma Elish. A história do primeiro casal de homem e mulher no Jardim do Éden apresenta claras afinidades com o Gilgamesh, um Épico assírio e babilônico. O Grande Dilúvio e a Arca de Noé nada mais é do que uma versão para um dos mais populares contos da tradição épica da Mesopotâmia, intitulado de Atrahasis que, por sua vez, é muito similar ao Ziusudra,  um conto sumério escrito há mais de 3.000 anos antes de nossa Era Comum!


Esse exercício "crítico" literário, por si só, esgotaria uma pretensa exegese desses textos que constituem o arcabouço central para a fundação da nossa civilização ocidental judaico-cristã. Mas, algo além me inquietou ao debruçar-me sobre o tema. 


E a minha inquietação levou-me a duas perguntas fundamentais: 


Por que não foram os demais textos originários das civilizações mais avançadas, mas sim essa miscelânea construída por um povo "insignificante" em comparação às grandes civilizações antigas,  um povo  que não ergueu pirâmides nem jardins suspensos, que não apenas fundou a nossa cultura tal como ela o é, hoje, como são a fonte das principais religiões que ainda hoje se espalham sobre o nosso planeta, do ocidente ao oriente: judaísmo, cristianismo e islamismo? 


Quais os maiores impactos na relação dos seres humanos consigo mesmos, com o meio ambiente e no seu modo de pensar, acarretados pela prevalência do ponto de virada, revolucionário, dos documentos israelitas na cultura  ocidental vindoura que fez com que a Bíblia dos Hebreus se emancipasse da tradição literária antiga, qual seja, o monoteísmo?

Já adiantando que apenas o monoteísmo não seria o suficiente para afirmar essa supremacia haja vista o Direito que até hoje aplicamos ser de origem Romana e laica, e forjado, inicialmente, em uma cultura politeísta.

Claro que essas perguntas dariam uma tese, mas tentarei articular algumas hipóteses em um próximo post...rs


Bom domingo! E Fé no mundo e Fé na vida, afinal:

 

"O Senhor viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom".

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Mulheres como pontos de Virada na História

 MULHERES COMO PONTOS DE VIRADA NA HISTÓRIA





 1 E DEU-SE A REVOLUÇÃO...


Em outubro de 1879, já tendo ocorrido a queda da Bastilha, a Corte francesa continuava a se banquetear no Palácio de Versalhes e o evento de 14 de julho era para o "ancien régime" apenas mais um superável incidente. Mas, não superado para um grupo de 6.000 mulheres analfabetas, donas de casa e trabalhadoras de mercados e açougues, que revoltadas com os preços dos alimentos e a carestia, marcharam furiosas, embaixo de chuva, rumo a Versalhes. Empunhando seus facões, machados e lanças, invadiram e destruíram os aposentos da Rainha, decapitaram os vigilantes, forçaram a volta da família real para o Louvre e fizeram a REVOLUÇÃO FRANCESA de fato, acontecer. Insuperavelmente.


Ainda que as mulheres sejam apagadas da história e na linguagem, REVOLUÇÃO é palavra FEMININA.


2 E DEU-SE A ANISTIA...


Transcorria o ano de 1975 no Brasil em plena  ditadura militar e apesar das guerrilhas, havia uma certa  acomodação dos movimentos sociais no Brasil. 

Mas esse estado de coisas mudou radicalmente quando a advogada e ativista, Therezinha Zerbini, fundou e presidiu o Movimento Feminino pela Anistia. Movimento devidamente legalizado e registrado, despertou, motivou e impulsionou outros movimentos, entidades, partidos políticos e a própria OAB, levando à criação do Comitê Brasileiro pela Anistia em 1978 e, finalmente à promulgação da LEI DA ANISTIA em 1979. 


Ainda que as mulheres sejam apagadas da história e na linguagem, ANISTIA é palavra FEMININA.


3 E DEU-SE A LIBERDADE...


D. Pedro I era reticente quanto à declaração da Independência do Brasil, mesmo sob a pressão de movimentos separatistas. Uma vez tendo o monarca viajado para São Paulo e Dona Leopoldina assumido a o Governo em sua ausência, a regente não teve dúvidas: Convocou o Conselho da Coroa e como sua Chefe, no dia 02 de setembro de 1822,  assinou o decreto separando o Brasil de Portugal. Chamou um mensageiro e o ordenou que levasse o decreto a D. Pedro I para que o referendasse. O mensageiro o encontrou no dia 7 de setembro nas margens do rio Ipiranga e diante do cerco emancipatório de Leopoldina, proclamou o documento já assinado pela Rainha.


Ainda que as mulheres sejam apagadas da história e na linguagem, INDEPENDÊNCIA é palavra FEMININA.


PARA QUE DESSES FATOS NUNCA MAIS SE ESQUEÇAM E QUE SE REGISTREM NA MEMÓRIA.


POR SER DE MÁXIMA JUSTIÇA.


CUMPRA-SE.

domingo, 29 de agosto de 2021

Você é Cristão Pós-Cristão ou Muçulmano?

 Você é Cristão, Pós-Cristão ou Muçulmano?








Nas últimas semanas temos testemunhado as acrasias do fundamentalismo religioso. Milhares de pessoas aterrorizadas se põem em marcha e chegam a terem as suas vidas ceifadas em razão de uma leitura e interpretação radical do livro sagrado no qual  fundamentam as suas ações e Fé. 


Vivemos em tempos de pós-Cristandade cultural e não seria exagero admitirmos que a maneira de se ler e se interpretar um livro religioso, seja o Corão, seja a Bíblia pode levar a nossa civilização, literalmente, ao paraíso ou ao inferno. Enquanto os muçulmanos recitam diariamente os versos do Corão, muitos que hoje se dizem cristãos nas sociedades ocidentais, em verdade, são pós-Cristãos, desconhecendo em absoluto os 39 textos do Antigo Testamento escritos entre 1.200 a 100 anos antes da nossa Era e os 27 textos do Novo Testamento escritos entre os anos 50 e 150 de nossa Era e que integram a Bíblia. Elucidando que ser pós-Cristão não significa rejeitar o cristianismo, podendo seguir os seus valores ainda que ignorando a sua Palavra. 


Em razão disso, elaborei o seguinte "Quizz" para que você possa se reconhecer ou como Cristão, ou como pós-Cristão ou até mesmo, surpreendentemente, como um melhor conhecedor do Corão do que da Bíblia!rs Os versículos tratam de preceitos básicos tais como o criacionismo, a doutrina da santíssima Trindade, a imortalidade da alma e a virgindade perpétua de Maria. 


Basta, após os seguintes versículos atribuídos tanto ao Corão quanto à Bíblia, você colocar se esses preceitos são rezados nos Livros Sagrados correspondentes. Vamos lá? Escreva as suas respostas V ou F e descubra se você é Cristão, Pós-Cristão ou tem um pé na cultura Islâmica! 


ALCORÃO


Sou tão-somente o mensageiro do teu Senhor, para agraciar-te com um filho imaculado.


Vosso Senhor é Deus, Que criou os céus e a terra em seis dias, logo assumiu o Trono para reger todas as coisas. Junto a Ele ninguém poderá interceder, sem Sua permissão. Tal é Deus, vosso Senhor! Adorai-O, pois! 


Louvado seja Mohammed, Senhor do Universo.


Os fiéis que praticam o bem e se humilham ante seu Senhor serão os diletos do Paraíso, onde morarão eternamente. 


Só enviamos os anjos com a verdade em última instância e, em tal caso, (os incrédulos) não serão tolerados.


São fiéis a Deus aquelas mulheres que não expõem as suas figuras aos olhos dos homens, apenas aos olhos de Deus.


Implorai o perdão de vosso Senhor e voltai-vos a Ele, arrependidos, que Ele vos agraciará generosamente.


BÍBLIA


Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. 


Espírito Santo procede do Pai enquanto fonte primeira e, pela doação eterna deste último ao Filho, do Pai e do Filho em comunhão. 


De cada um, de acordo com suas habilidades, a cada um, de acordo com suas necessidades. 


E não teve relações com ela e ela  deu à luz um filho. E ele lhe pôs o nome de Jesus. E ela foi a virgem para sempre imaculada.


Uma vez sendo a alma imortal, é necessário que zelemos por ela não só durante este período de tempo que chamamos de vida.


Se o segundo marido morrer, o primeiro, que se divorciou dela, não poderá casar-se com ela de novo, visto que ela foi contaminada. Seria detestável para o Senhor. Não tragam pecado sobre a terra que o Senhor, o seu Deus, dá a vocês por herança.


Abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe os três reis magos suas ofertas: "ouro, incenso e mirra".


Mais tarde, dou o "Gabarito"!😀

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

A Primeira Matemática da História: Hipátia.

 HIPÁTIA






Hipátia é a primeira matemática a ser documentada na história, tendo sido Professora da Academia Neoplatônica no século V d.C. 


Vivendo em Alexandria onde era Chefe da Escola Platônica, Hipátia, além de uma grande matemática para a qual os grandes mestres acorriam com fins de encontrarem soluções para seus, aparentemente,  insanáveis problemas de lógica, era versada em astronomia, física, filosofia, artes, religião, oratória e retórica. Foi a inventora do hidrômetro e seguia rigorosamente o preceito "mens sana in corpore sano", dedicando-se, com disciplina, também, aos exercícios físicos.


Com a ascensão de um novo Patriarca de Alexandria, Sérvio Cirillo, cristão ortodoxo, deu-se início a uma caça àqueles considerados como "hereges".


Hipátia, então, em uma tarde, ao sair da Academia, e caminhar pelas ruas de Alexandria, foi atacada por uma multidão de cristãos radicais enfurecidos que a arrastaram pelas ruas, levando-a a uma Igreja onde a torturaram até a morte. 


Tendo dado o último suspiro em seu martírio, foi lançada à fogueira na qual se desfez em cinzas.


Em vida, quando perguntada porque jamais se casara, respondia: "Porque sou casada com a Verdade".

domingo, 22 de agosto de 2021

FARROHK BULSARA: FREDDIE MERCURY.

DE ORIGEM PERSA E DEVOTO DE ZARATUSTRA: O NOME DELE É FARROKH BULSARA, MAIS CONHECIDO COMO FREDDIE MERCURY.






Os persas capitaneados por Ciro, o Grande, e posteriormente, por Dario II, fundaram o primeiro grande império da História, caracterizado, sobretudo, pelas tolerâncias religiosa e cultural dos povos conquistados. Mesmo sendo devotos do deus  Mazda e seguidores do profeta Zoroastro (Zaratustra), não impunham suas crenças e costumes aos povos dominados, mesmo que se afirme que, tanto o cristianismo, quanto o judaísmo e o próprio islamismo,  foram fortemente influenciados pelo zoroastrismo que pregava a salvação através da vinda de um messias salvador, filho de uma virgem. 


Com a invasão árabe na Pérsia (onde hoje estão países como o Irã, Afeganistão e Uzbequistão), tendo os seus templos sido transformados em Mesquitas, houve forte perseguição religiosa empreendida  pelo islamismo.


Muitos, para não serem mortos, converteram-se, mas um  grande contingente de persas zoroastristas fugiram para a Índia, onde se fixaram e passaram a serem chamados de “Parsis”. Alguns deles eram os antepassados de nosso querido e saudoso Freddie Mercury. Os pais de Freddie, nascido Farrohk, integravam os parsis indianos e, uma vez que a Índia foi uma colônia  inglesa de meados do século XIX até 1947, mudaram-se para a Inglaterra, passando primeiro por Zanzibar onde nasceu o icônico Astro Pop.


A fim de realizar o seu sonho artístico, o zoroastrista, Farrohk Bulsara, converteu-se em Freddie Mercury, mas, assim como os seus pais, nunca abandonou a sua origem Parsi e a sua fé no que falou Zaratustra...

Nem sempre foi preciso fugir do Afeganistão...









 NEM SEMPRE SE PRECISOU FUGIR DO AFEGANISTÃO...


ASSIM FALAVA SÓCRATES SOBRE A SUPERIORIDADE DE ZARATUSTRA E DE SEU POVO (atuais iranianos e afegãos)  SOBRE OS GREGOS...


"Sócrates: Então comparemos a nossa situação com a deles e principiemos por apurar se os reis lacedemônios e persas são de ascendência inferior. Na adolescência o menino é confiado a quatro tutores reais. O primeiro dos Mestres instrui o jovem sobre o saber mágico de Zaratustra. O mais justo o ensina a ser autêntico por toda a vida; o mais autocontrolado a não ser dominado por um só prazer, para que ele possa se acostumar a ser um homem livre e um genuíno rei, cuja primeira obrigação é ser senhor e não escravo de si mesmo; o mais corajoso o prepara para ser destemido e intrépido, ensinando-lhe que o medo é uma forma de escravidão.


Ora, as riquezas dos lacedemônios, ainda que grandes se comparadas com a dos outros povos gregos não são nada se comparadas com as dos persas e de seu rei. 


Fica, então, pasmo, Alcebíades, com tua educação precária, se te dispusesses a competir com os filhos de Zaratustra (atuais iranianos e afegãos), considerando todas as vantagens destes e os recursos de seu povo."


Platão in ALCEBÍADES.



 






ADRIANA CARRANCA, jornalista e correspondente internacional, graduada em jornalismo pela Universidade Católica de Santos e Mestre pela London School of Economics, é, a meu ver, a mais qualificada fonte para nos narrar o que se passa no Afeganistão. Ela chegou a entrevistar o atual Emir do Afeganistão, líder do Talibã em sua própria casa (Mansão) em Cabul. Sobre o que faz  um homem se tornar um talibã, geralmente recrutado quando menino em campos de refugiados, Adriana responde:


A) NENHUMA EDUCAÇÃO FORMAL, NEM EM HUMANIDADES, NEM EM CIÊNCIAS.


B) IMERSÃO EM MADRASSAS DE ORIENTAÇÃO RELIGIOSA FUNDAMENTALISTA COM UMA INTERPRETAÇÃO RADICAL DO ALCORÃO.


C) TREINAMENTO MILITAR.


No fundo, essa é a receita básica  para que seja forjado um caráter extremista  conservador, tanto no oriente quanto no ocidente, basta substituir uma interpretação perversa do Alcorão por uma interpretação perversa da Bíblia.